Maratona brasileira.
Foto: Gilvan de Souza / Flamengo |
O GLOBO: Por CARLOS EDUARDO MANSUR
Os debates prévios às semifinais da Taça Rio tratam discretamente de eventuais duelos técnicos e táticos. Porque os jogos valem pouco, mas também porque uma dúvida domina o cenário: os titulares das equipes comparecerão às partidas? É justo duvidar. Afinal, dos 41 jogos que envolveram times grandes até aqui, 13 os viram cheios de reservas. Pouco mais de 30%. É alarmante.
Há exageros no uso de times reservas no Brasil? Em casos isolados, sim. Mas um número como este não se produz por uma só razão. A receita que inclui regulamentos como o do Carioca, a duração dos Estaduais e até uma gestão de elencos característica do país: quase sempre, ou joga todo mundo, ou não joga ninguém. Não há meio termo. Mas o ingrediente principal ainda foge ao controle de treinadores. O número insano de jogos que um time grande pode ser obrigado a fazer.
Ver europeus jogando nos meios de semana com frequência cada vez maior pode causar a impressão errada; ainda se joga absurdamente mais por aqui. Tomemos como exemplo os oito times que seguem vivos na Liga dos Campeões, atuando em frentes nacionais e continentais até o fim da temporada. O número máximo de jogos que podem realizar varia entre 54 e 65. No Rio, Botafogo, Flamengo e Fluminense podem jogar entre 82 e 88. A diferença pode superar 30 jogos, em casos extremos. E 30 jogos são quase quatro meses atuando às quartas e domingos. Só o Vasco pode ter um ano “europeu”, já que caiu na Copa do Brasil, não aderiu à Primeira Liga e não joga torneios sul-americanos.
Para este abismo, os Estaduais contribuem com 18 datas. A Primeira Liga despejou mais seis jogos no calendário e se revelou um estorvo, uma insensatez: não cumpriu o objetivo de ser bandeira de luta e sobrecarregou ainda mais a agenda. Impossível exigir os mesmos onze a cada partida.
Está ao alcance de um atleta jogar uma partida importante numa quarta e outra no domingo, sim. O impraticável é fazê-lo ininterruptamente, de fevereiro a dezembro, saber que o preço de progredir nas competições é a inevitável falência física no fim da maratona. Ao gerir o elenco de um time grande, é obrigatório levar em conta a possibilidade de se qualificar para disputar os títulos. O que, no Brasil, implica em jogar um número surreal de partidas. O calendário brasileiro pune os bem-sucedidos.
A reação em cadeia
É comum na Europa ver times praticarem a chamada “rotação do elenco”. Consiste em poupar a cada partida uma parte do time, sem desfigurá-lo. Assim, administram-se os minutos disputados por cada atleta no ano. Exige um grau de sofisticação que o futebol brasileiro não atingiu.
É verdade que, aqui, ainda se opta pela solução mais cômoda de sacar os onze titulares. O que desvaloriza jogos e o produto, desrespeita até o equilíbrio das competições. Mas há o outro lado. A lógica da rotação se baseia, entre outras coisas, na eficiência do treinamento. O dia a dia implanta um modelo de jogo que, em tese, todo o elenco pode executar. O entrosamento não vem apenas dos jogos.
No Brasil, joga-se tanto que não se treina. E como os elencos mudam demais ano após ano, é necessário permitir que os jogadores se conheçam, joguem juntos. Daí os times titulares e reservas.
A desordem do calendário, com a companhia do insano imediatismo com que o país trata técnicos e equipes, goleia o bom senso. Já se viu o emprego de times reservas como mecanismo de autodefesa de alguns treinadores. Uma tentativa de esvaziar o jogo e seus efeitos. Porque a cada quarta e domingo, empregos estão em risco e uma crise bate à porta. O país que produz uma saturação de jogos é o mesmo que se encarrega de esvaziar partidas. E faz proliferarem os estádios vazios, outro dano irreparável de uma nada saudável reação em cadeia.