Basquete do Flamengo vira sonho de crianças.
Foto: Gilvan de Souza/Flamengo |
VAVEL: Alguns insistem em dizer que esporte se resume apenas a mais uma ferramenta de entretenimento, mas a cada dia podemos ver mais exemplos de como essa ideia está errada. Um deles é o projeto social Basquete Cruzada, que reúne jovens e adultos há 18 anos na Cruzada São Sebastião, zona sul do Rio de Janeiro, para ajudar a formar não só atletas, mas cidadãos, como eles mesmos gostam de enfatizar.
O projeto começou apenas com o basquete, mas com o sucesso da ideia, modalidades como futebol, artes marciais e handebol também foram envolvidos. Com mais ou menos 120 alunos, Wagner da Silva, fundador e gestor, conta com a ajuda de mais dois professores fixos e leva atletas e técnicos de grandes clubes para as aulas. Além disso, eles ainda têm um grande compromisso com a parte social, colocando os jovens em contato com abrigos e ajudando os mais necessitados.
Ter um projeto social nunca é uma tarefa fácil. Além das dificuldades para chamar jovens e crianças e mantê-los interessados, os incentivos financeiros são, na maior parte, limitados. Para o Basquete Cruzada, a solução veio na expansão da marca e na venda de camisas personalizadas, que acontece até hoje.
Wagner explicou de onde surgiu a ideia e como ela fez sucesso no mundo do basquete: “Estamos aqui desde 1998. O projeto sempre veio rastejando, mas, como conheço muita gente, sempre pedia doação de material para os clubes ou amigos que são atletas. Em 2007 a gente pensou em uniformizar, mas acabamos colocando na gaveta. Em 2013 decidimos fazer isso aqui dentro, mas o pessoal da comunidade começou a perguntar por que não vendia para ajudar a manter o projeto”.
“Fiquei enrolando, mas a comunidade do basquete viu a camisa e começou a pedir, não só no Rio de Janeiro. Com muita insistência decidimos vender e foi um estouro. Muita gente apoiando, comprando as camisas. As pessoas sabem para onde o dinheiro está sendo direcionado. Compra de material, fazemos cestas básicas, alguns investimentos para ajudar alguns atletas que tem problemas particulares”, completou.
Gerson da Silva tem 38 anos e é morador da Cruzada desde que nasceu. Começou a frequentar o projeto já no início e depois de um tempo sugeriu a criação do núcleo das lutas, onde dá aulas hoje.
“Comecei treinando aqui, já praticava em outros lugares, mas a gente se reunia aqui para treinar. Viemos sempre com o objetivo de socializar e educar, a ideia que o esporte transmite pra gente. Comecei a treinar em outras academias, lutei profissionalmente, mas sempre trabalhando aqui. Durante esse tempo tivemos a ideia de fazer com a luta e o Wagner abraçou todo mundo”, explicou.
Graças ao projeto, seu filho joga basquete atualmente na categoria sub-15 do Flamengo e isso é motivo de grande orgulho.
“Sou da luta, ele já ia comigo para as academias, mas começou a praticar basquete e se apaixonou. Começou a se destacar aqui e o Wagner levou para fazer teste no Flamengo há uns 4 ou 5 anos. Agora o basquete só não é 24 horas porque obrigo a ir para a escola”, comentou o professor.
Rafael Lima tem 19 anos e há quase três é aluno do projeto. O amor pelo basquete o levou até as quadras, mas foi a qualidade do trabalho que o manteve lá:
“Via basquete na televisão e sempre gostei, mas não tinha lugar para jogar, até que um amigo da escola me chamou para vir aqui. Gosto do projeto, das pessoas, sair de casa um pouco e jogar basquete. Me ajudou em várias coisas. O Wagner sempre está tentando ajudar a gente, procurando bolsas, ajudando na escola, sempre perguntando. O projeto sempre me incentivou a continuar estudando, até mesmo tentando virar jogador, mas continuar estudando”.
O conselheiro tutelar, Jaime do Nascimento, tem 41 anos e contribui para o projeto dando conselhos e tentando ajudar os envolvidos a superarem os problemas do dia a dia.
“Meu trabalho aqui é mostrar para eles o poder da cidadania, os direitos da criança e do adolescente. Faço algumas palestras, dou alguns conselhos para as crianças que estão com dificuldade na escola. Ajudo na melhoria da autoestima deles também. É sempre bom fazer esse trabalho”. E ainda completa:
“A gente tenta dar uma luz para eles, mostrar que tem uma coisa melhor lá na frente”.
As dificuldades são inúmeras, mas a vontade de ajudar supera tudo:
“A gente tenta sempre tirar desse caminho, botar em um lugar melhor. Cada dia é um caso diferente. Evasão escolar tem muita, nós conversamos, tentamos ajudar psicologicamente. Nosso papel não é afastar, mas estar junto”, disse Jaime.
Ítalo começou como aluno em 98 e hoje, aos 25 anos, também é um dos professores do projeto. Antes, se tornou jogador profissional e chegou a atuar pelo Botafogo, Tijuca, além das seleções carioca e brasileira. Hoje, ele tenta se formar em educação física e sua maior motivação lá é fazer o que Wagner fez por ele anos atrás: tornar os alunos cidadãos.
“Está muito mais fácil ir pro mundo, fazer outras coisas do que estar aqui treinando, com responsabilidade, tomando bronca. Cobramos muito”.
Em 2015, um grande reconhecimento chegou após tantos anos de trabalho duro. A NBA trouxe mais uma edição do Global Games ao Brasil, dessa vez com Orlando Magic e Flamengo, e essa foi inesquecível, pelo menos para os jovens da Cruzada. Graças ao NBA Cares, a quadra do Basquete Cruzada foi reformada e entregue em um evento que reunia jogadores dos dois clubes. O orgulho do feito está escancarado nos olhos de quem faz parte.
“Conseguimos o contato do grupo TGF, que é a empresa de marketing que trabalha para a NBA. Eles vieram aqui, fizeram a reforma da quadra e foi um momento histórico. Eu sempre sonhei. Quando eles vieram da primeira vez, enchi o e-mail deles, mas não tive resposta. Da segunda vez a mesma coisa. No terceiro decidi não mandar e veio o convite. Foi um sonho realizado, a molecada adorou”, explicou Wagner.
“O bairro, que é de classe média alta, olhou pra cá e reconheceu. As crianças vieram, assistiram, pediram autógrafo. Foi muito bom, deixaram a quadra de herança, todos vem ver”, falou Gérson.
“É uma coisa que o Wagner já estava correndo atrás há muito tempo. A NBA se juntou ao Flamengo e ele é cria do Flamengo, jogou lá a vida inteira. Isso aqui ficou conhecido internacionalmente. Vieram jogadores da NBA e foi muito legal”, comentou Ítalo.
“Deu uma motivação a mais aos alunos. Nosso projeto aumentou em mais ou menos 20%. Chegou bastante gente, está cada vez maior”, completou.
Wagner ainda fez questão de enfatizar o esforço e, assim, deixa claro a todos o tamanho da influência de seu projeto na comunidade.
“Acho que isso é fruto de um trabalho. Nada foi assim de graça. Tivemos a força de todos os professores que apoiaram durante esse tempo, familiares, colocamos muitos atletas em clubes e todos eles reconhecem isso, sabem que o projeto é importante para a comunidade. Assim que conseguimos ter os olhos deles. Falta muito as confederações e instituições reconhecerem os projetos sociais”, disse.
Com o sucesso do projeto, foi inevitável atrair os olhares dos clubes.
“Atualmente temos 22 atletas em clubes, mais ou menos. Ao longo do tempo foram muitos. O Basquete Cruzada pode ser o projeto que mais colocou atletas em clube, mesmo sem ser nosso foco. A gente trabalha para integrar o garoto de comunidade na sociedade e abrir esse leque pra eles. Se conseguirmos a oportunidade, beleza, mas o mais importante é a educação”, disse Wagner.
“Através do esporte, queremos atingir a cabeça das pessoas e tentar produzir uma comunidade mais ativa, mais disposta, atlética e bem educada. Da comunidade partir pro nosso bairro, município, de passo em passo. O Basquete Cruzada tem grandes ideias para nós da comunidade e para a sociedade”, disse Gerson.