Jornalista diz que Fla representa ditadura: “Demônio encarnado”
JORNAL ESTADO DE MINAS: Fred Melo Paiva
Por macabra ironia, o Campeonato Brasileiro vai começar sob a marca de 100 mil mortos pela pandemia do coronavírus – um Maracanã lotado. Por isso não há de se produzir melhor imagem da nossa tragédia do que as arquibancadas vazias, amanhã, no jogo entre Flamengo e Atlético: o público ausente é a conta exata dos que não estão mais entre nós. Sucumbiram à doença, sob o desleixo e a galhofa de um projeto de genocida eleito pelo próprio povo que agora ele ajuda a matar.
E daí? “Vamos tocar a vida!” Para tanto, é perfeito esse Atlético e Flamengo, disparado o jogo mais legal da rodada. Perfeito porque em campo estarão dois dos times cujos presidentes (e um mecenas) se regozijam da afinidade com o projeto de genocida. Câmara, cascudo, troca camisa e posa de papagaio de pirata para a posteridade. Landim se mistura ao (des)governo, oferecendo base eleitoral em troca de medidas provisórias e vantagens outras, a reviver o time oficial da ditadura já em decadência, ali por 1980 e 81, de dolorosas lembranças para o atleticano. O mecenas, bem, este é como a biruta do aeroporto, aponta para onde o vento (e o dinheiro) levar.
(E o pobre do torcedor, coitado, acha um pecado quando o cronista insiste em misturar o futebol com a política.)
Pois bem, apesar dos pesares, o show precisa continuar, os clubes estão à míngua, alguns a disputar os centavos com o malabarista de sinal. Vamos admitir, não é todo mundo que tem aquele amigo capaz de pagar o seu boleto enquanto você assa a picanha, nem michelles, digo, mil cheques caídos do céu. Assim sendo, que role a pelota e sobrevivam todos aqueles com histórico de atleta, os cloroquiners e os tomadores de ozônio no c.!
Vamo, Galo, meu Gardenal, só você pra salvar a gente nesse manicômio! O Mequinha foi um bom teste: primeiro, aquele amistoso, aquela festa esquisita com gente estranha, tantas caras novas, parecia dinâmica de grupo para novos colaboradores da firma. Depois, o primeiro jogo da semi, já dando para o gasto. Ao cabo, o atropelo final, a gente já iludido, se não fosse a pandemia tava nóis na caravana para o Rio de Janeiro, apenas 10% da nossa cabeça animal ocupada com a vida, família e emprego, o resto todo consumido pelo Atlético.
Bem disse um amigo – fora a macabra alegoria do público ausente, a arquibancada vazia apenas atrasa o inevitável: os novos funcionários permanecerão funcionários até o dia em que, já mortos uns 200 mil, finalmente serão torcedores ao encontrar a Massa ao vivo e em preto e branco, quando dar-se-á, salve, Temer!, o título inevitável.
Não sou o malabarista na busca pela vaga de trabalho, mas vejo sinais: o Atlético nunca ganhará um Campeonato Brasileiro normal, assim como aquela Libertadores foi tudo menos normal (incluindo os protestos de 2013, que ameaçaram implodir o Brasil logo na hora em que estávamos com a mão na taça). Desafortunado que é, o atleticano estará impedido de ir ao estádio quando o dia da vitória chegar. A pandemia, o derretimento das calotas polares, a guerra nuclear – alguma dúvida de que ganharemos o Brasileiro apenas e tão somente contra tudo e contra todos, como o Uberlândia campeão com seu time de infectados?
Tu vens, Flamengo, e eu já escuto sinais nesse início de caminhada justamente contra esse demônio encarnado. O ponto de partida a partir do ponto final, quando, em 1981, assassinaram nossos sonhos de criança. Sim, eu tinha 10 anos, minha avó tinha sido freira e nós dois compartilhávamos (e também o Raul Seixas) o medo da chuva. Ao se aproximarem os cumulonimbus, punha-me a rezar como uma Damares diante do comunismo inexistente. O Flamengo de Wright acabou com a minha fé: não havia Deus e nem a Justiça dos homens. Eu fiquei adulto com 10 anos, foi o ponto final.
Agora, pois, o time a ser batido é o Flamengo, o Flamengo do Bolsonaro – assim como aquele outro, o Flamengo do general Figueiredo. O dia em que o Galo ganhar o Brasileiro, há de ser contra a ditadura e contra o Flamengo, porque o mundo, e mesmo a Terra plana, ele dá voltas. E como me disse uma vez o Chico Pinheiro, a evocar Jesus (não o do Benfica), a vida sempre vence a morte. Amém.