Flamengo fatura 11 vezes mais que o Avaí.
EPOCA: Que chance tem o Atlético-PR de ser, de novo, campeão brasileiro? Na véspera do Natal de 2001, Alex Mineiro pegou o rebote do goleiro Silvio Luiz e fez o gol que garantiu o título atleticano perante o São Caetano na casa do adversário, no Anacleto Campanella. Foi a última vez que times menores chegaram – e triunfaram – na principal competição do país. A má notícia é que levará mais do que 15 anos para isso voltar a acontecer. O futebol brasileiro está mais desigual.
O futebol, como o mercado e a sociedade, está sujeito à desigualdade financeira. E é bom prestar atenção nela. O título do “pequeno” Leicester na Premier League em 2015/2016 dá a impressão ao torcedor romântico de que no futebol moderno ainda há espaço para que clubes desbanquem rivais ricaços, mas a história é mais complexa do que isso. Há níveis de desigualdade toleráveis e há níveis que acabam com a graça do futebol. Tornam-no monótono e previsível.
Em todos os últimos dez anos, de 2006 a 2015, o Campeonato Brasileiro manteve o status de mais disputado do mundo. A conclusão, aqui, é científica. Não basta olhar apenas para quem foram os campeões. Para chegar a um quadro mais preciso, ÉPOCA aplicou o índice Herfindahl-Hirschman (HHI), um cálculo que economistas usam para medir concentração de mercado, nos pontos conquistados por clubes na última década em Brasil, Inglaterra, Itália, França e Espanha – a Alemanha, por ter menos equipes na primeira divisão do que os outros, não pôde ser comparada.
Se você não quiser entender o cálculo, pule este parágrafo. Se quiser, aí vai. O Corinthians conquistou 81 pontos no Brasileiro de 2015 de um total de 1.049 pontos. Se você calcular o percentual, vai chegar a 7,72%. Esta foi a “participação de mercado” dos corintianos na competição – ou, no termo em inglês, “market share”. O HHI é o resultado da soma dos quadrados das participações de todos os membros do mercado, neste caso dos 20 clubes que disputaram o torneio. Não entendeu? Não tem problema. O que importa é que a soma nos leva a um número quebrado entre zero e um. Quanto mais próximo de zero, mais competitivo é o campeonato. Quanto mais próximo de um, mais desigual. O resultado está no quadro abaixo.
Arte: Época / Divulgação |
É verdade. O brasileiro deu mais chances ao Atlético-PR de ser campeão nacional do que europeus. Mas isso vai mudar. Repare que, entre as oscilações, a linha da Inglaterra é ascendente. Os britânicos têm tornado seu campeonato mais competitivo. A Itália, apesar de ainda ser a segunda mais desigual, está mais igualitária do que dez anos atrás. A Espanha tem a maior concentração de mercado, mas uma reorganização financeira tende a inverter a curva a partir de 2016. Só a França ruma para mais desigualdade. As pistas sobre tendências não estão nos pontos, mas nas finanças.
As receitas dos times de futebol brasileiros têm aumentado. Em 2015, os 20 clubes da primeira divisão arrecadaram R$ 3,6 bilhões, 26% a mais do que em 2014. Só que nem todos desfrutam de novas e maiores receitas da mesma maneira. O surgimento de programas de sócios-torcedores e as reconstruções de estádios, ensejadas pela Copa do Mundo de 2014, fizeram com que o grupo mais rico ficasse mais rico. Ele tem torcedores em número suficiente para decolar a partir do momento em que começou a cobrar mensalidades dos fãs e a aumentar o preço do ingresso. O grupo mais pobre, sem a mesma torcida, estagnou. Continuou com as mesmas receitas de antes.
Um modo de medir a desigualdade financeira no futebol é comparar a receita do clube mais rico com a do mais pobre. ÉPOCA fez o cálculo. No Brasil, a diferença entre um e outro é de 11 vezes. Dito de outro modo, o Flamengo faturou 11 vezes mais do que o Avaí em 2015. Isso interfere diretamente na competitividade porque cartolas flamenguistas podem pagar 11 vezes mais ao melhor jogador disponível do que avaianos – desde que, claro, saibam gastar.
Entre as maiores ligas do mundo, a espanhola é a mais desigual. Real Madrid e Barcelona arrecadam 30 vezes mais do que o último da primeira divisão, o Eibar. Na verdade, o quadro é mais grave. Os dois ricaços conseguem três vezes mais dinheiro do que o terceiro, o Atlético de Madrid. Lá a desigualdade se acentuou em boa dose por a Espanha ter mantido a negociação individual dos direitos de transmissão. Real e Barça negociam sozinhos e se valem da força que têm para barganhar acordos mais rentáveis. Os demais se lascam. O modelo só mudou quando o governo espanhol interviu, em meados de 2015, e forçou a adoção da negociação coletiva. Mais do que isso, o dinheiro passará a ser dividido de maneira mais igualitária.
A Inglaterra contrapõe o mau exemplo espanhol. Na Premier League, a diferença entre o mais rico e o mais pobre é de cinco vezes. Há, claro, um grupo mais rico. Manchester United, Manchester City, Arsenal, Chelsea e Liverpool faturam mais do que os demais. Mas a desigualdade é menor e permite que “pequenos” como o Leicester, campeão em 2015/2016, consigam suas façanhas. É resultado, principalmente, da divisão igualitária dos direitos de transmissão, negociados pela liga de maneira coletiva e repartidos entre os clubes: 50% iguais para todo mundo, 25% condicionados à audiência e 25% conforme a posição na tabela. É o modelo que inspirou espanhóis.
A França, mais do que caminhar em direção à desigualdade, avança para um monopólio. O Paris Saint-Germain, comprado por um fundo do Catar em 2012, fatura 19 vezes mais do que o mais pobre, o Lens, e quatro vezes mais do que o segundo mais rico, o Monaco. A liga como um todo não seria tão desigual sem o PSG. O Monaco, segundo, tem cinco vezes mais receita do que o Lens, último, uma diferença “inglesa”. O dinheiro catariano é que desequilibra a balança.
Na Itália a Juventus, a mais rica, arrecada 11 vezes mais do que a Empoli, a mais pobre. É a configuração mais próxima da brasileira entre as grandes ligas europeias. A diferença é que a “Velha Senhora” engatou uma sequência de cinco títulos nacionais, enquanto os dois mais ricos no Brasil, Flamengo e Palmeiras, gastam mal o que arrecadam. A incompetência dos que têm os maiores faturamentos ainda é o fator que mantém o Brasileirão como o mais disputado entre as principais ligas do mundo. É pela crescente desigualdade entre clubes e pela iminência de gastos mais acertados entre os ricos que o Atlético-PR talvez não volte a ser campeão nacional.
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