Muricy explica falta de chances a joias e busca por zagueiro.
Fotos: Fred Gomes/montagem: editoria de arte |
GLOBO ESPORTE: Técnico recordista em títulos brasileiros nos pontos corridos, Muricy Ramalho se acostumou a entrar pilhado em coletivas nos tempos de São Paulo e distribuir respostas ríspidas especialmente nas derrotas. A um dia da estreia do Flamengo na competição em que é expert, contra o Sport, em Volta Redonda, ele chega diferente. Os passa-fora nos repórteres quase não existem mais. O semblante nas entrevistas pós-jogos revelam um treinador pouco cabisbaixo, com olhar distante. Estaria o comandante rubro-negro triste com o momento vivido no clube e mais receptivo a resultados negativos? Não, ele garante. O “ódio às derrotas” segue vivo, e os jogadores, em sua opinião, têm começado a sentir o mesmo.
O abatimento após cada revés é fruto da abstinência que sofre com a ausência de vitórias. É viciado nelas, assegura. E, com esse espírito, trabalha para tentar fazer bom papel a partir deste sábado após insucessos na Primeira Liga e no Carioca.
– Não estou triste. Acontece que eu não me preocupo com meu emprego, porque, graças a Deus, estou definido na minha vida. Eu escolhi o Flamengo. Na época que me fizeram a proposta, eu tinha três melhores que a do Flamengo em termos financeiros. Isso aqui me chamou atenção pelo desafio. Era um lugar que você precisava reconstruir muita coisa, eu tenho experiência em fazer isso. Só que a droga de quem joga futebol e de quem é treinador é ganhar jogo. É uma droga, faz falta. É que nem devem sentir esses caras que são drogados. Quando eles não cheiram ou fazem alguma coisa, devem se sentir mal. E a gente é igual. As pessoas não têm ideia do que o treinador e os jogadores sentem. Você não come direito, não dorme direito, não vive direito com a sua família. Por isso que você me vê assim – explicou.
Abaixo, confira a entrevista com Muricy.
Se o futebol é uma droga e se fica doente sem vencer, os jogadores do Flamengo também estão sofrendo com os maus resultados?
O time está começando a ter dor, porque eles estão entendendo que cada clube tem uma característica e que cada treinador tem uma. O Flamengo é o clube do povo, o cara tem que sentir pra caramba, igual ao torcedor. Ele tem que ficar arrebentado mesmo, como está acontecendo comigo. Sou um cara experiente, realizado. Se sair daqui, eu tenho para onde ir, mas eu sinto pra caramba, fico até mal. Tem que sentir. O cara tem que odiar derrota. Faz parte da nossa vida, mas ele não pode se acostumar com isso, não.
Então o fato de você estar mais light nas coletivas não tem nada a ver com abatimento? É orientação da sua família por conta do problema de saúde?
Agora, em relação a chegar pilhado, a gente vai mudando, né, meu? A gente vai acalmando. Quando ganha, vocês elogiam. Quando perde, vocês criticam. Isso é com tempo que você vai vendo. Mas, se eu sentir que o cara é mala, a pegada é forte. Isso eu não perdi, a minha personalidade eu não perdi, é a mesma. Mas você tem que se colocar no lugar da pessoa, porque às vezes eu fui um pouco mais duro com pessoas que não mereciam. Então você vai melhorando. Chega em casa, e a sua mulher fala: “Pô, meu, você foi brigar com aquele cara que é gente boa?”. Então, às vezes, você se perde, tem que se acalmar. Hoje estou escolhendo melhor: se eu mandar uma coisa mais forte para um cara, é porque ele merece. Já tive coletivas de brigar com um cara e pedir desculpas depois porque ele não merecia. Mas é aquela coisa de maluco, não devia ter coletiva depois de jogo. Tinha que ser no dia seguinte. Ali você tá na pilha, tá doente. Às vezes não raciocina, e você agride o cara. Se fosse no dia seguinte, com certeza seria bem diferente.
Dito isso, fica claro que não gosta de falar logo depois das partidas, certo?
A gente é obrigado. Se eles (Flamengo) falarem não vai, eu não vou. Tanto é que antigamente a gente falava todo dia. Hoje eu escolhi falar num dia só, faz tempo. Acho que eu que inventei essa moda. Na época falaram: “Pô, você é louco”. Para mim, não interessa se eles vão gostar ou não. Problema é deles, porque é impossível você falar todo dia.
Você é tetracampeão brasileiro, todos conquistados nos pontos corridos. Há uma fórmula ideal ou algum método adotado em comum nos trabalhos à frente de São Paulo e Fluminense?
Acho que importante nessa competição são alguns itens. Ter um bom plantel é fundamental, porque você não consegue levar esse time até o final. Outra coisa que faz a diferença é a logística, porque o país é enorme. Se você não tiver uma boa logística, você não consegue também. E aí quando iniciar a competição mesmo, e a gente começar a sentir quais são os concorrentes mesmo, você tem que olhar com carinho jogo a jogo. Esse aqui eu preciso empatar, o adversário vai jogar em casa… Esse aqui eu preciso ganhar. É o tipo de conta que você tem que fazer e de vez em quando arriscar. Têm jogos fora de casa que você acha que dá para ganhar, então você precisa ganhar, porque isso vai fazer diferença na pontuação. Mas tem que começar o campeonato para sabermos como vai ser.
E foram quatro títulos com defesas estáveis, com três zagueiros no São Paulo, por exemplo. O seu Flamengo ainda não se firmou defensivamente. O que falta?
É que as características dos nossos jogadores são de um time muito ofensivo, joga muito aberto e aí defende mal. A verdade é essa. Não é a defesa que não é boa, é o time que não defende bem. Estamos tentando um ajuste e treinamos bastante que é no setor de meio-campo, que joga muito aberto. Mesmo assim não vamos perder esse pensamento de agredir, porque o Flamengo tem esse pensamento. Isso é a história do Flamengo: de agredir o adversário e propor jogo. Mas é claro que vamos ter um pouquinho mais de cuidado, principalmente no meio-campo.
Ataca muito, e você fala que no futebol moderno não há espaço para volantes que não saibam sair para o jogo. Se o futebol se modernizou, o que mudou o Muricy de 2010, ano do seu último título brasileiro, para o de agora?
Eu acho que os esquemas mudaram, porque hoje não se joga mais com três zagueiros. A maioria dos times joga aberto, e quando você joga dois abertos tira a sobra. Mudou bastante esse tipo de marcação, hoje se usa muito pouco, mas é muito difícil achar time que jogue dessa maneira. Mesmo no meu time tricampeão brasileiro e no Fluminense, mudava já. Às vezes, jogava o Julio Cesar (lateral-esquerdo do Vasco) na ponta direita.
Muitos disseram que o Muricy não iria aguentar o Flamengo com tantas viagens. Esse tipo de crítica te incomoda?
Não, isso é uma coisa que realmente está acontecendo. Agora não, estamos sossegados porque estamos treinando, mas as viagens nos arrebentou. Já andamos acho que 30 mil quilômetros. Era um momento de construção do time em que você precisa ganhar, e vem a confiança. A gente sofreu para jogar, teve jogo que acabou arrebentado. Isso não me atinge em nada. O que não dá para falar de futebol é sem saber o que está se passando.
Como foi a escolha por Volta Redonda e Brasília como sedes do time no Brasileiro?
A gente tem que escolher um lugar para ficar e escolhemos Volta Redonda. Até porque essas outras possibilidades na época não estavam bem. O vestiário não estava bem, e o campo também não.
Então já estava decidido? Por exemplo, o Botafogo conseguiu a Ilha, e o Fluminense, Edson Passos…
Vai jogar aonde domingo o Fluminense? Onde vai jogar o Botafogo? Querem comparar uma coisa que não existe, cara.
Por mais que ache que vai dar certo, você tem um limite para dizer: “não deu”?
No fim do ano, na 39ª rodada é o meu limite (risos).
Perguntamos isso porque teve o caso do Mano Menezes aqui. Ele disse “não deu liga”…
Mas aí cada treinador dá uma declaração. Se eu falar isso, não fica legal, porque eu não posso passar isso pra cima do jogador. Essa não é a maneira que eu trabalho. Se eu tivesse que ficar cômodo, ia para outro lugar e ganhando até mais. Eu não tenho esse negócio, eu quero ganhar. Nos lugares que fui, eu ganhei sempre.
Trocando o assunto, muito se questiona a respeito da não utilização de dois garotos que foram muito bem na Copinha: Ronaldo e Léo Duarte. Por que jogam tão pouco?
As pessoas que falam de futebol só veem os que chegam. Mas em relação aos que ficam no caminho é uma barbaridade muito grande. Sabe por quê? Porque às vezes são lançados por pressão, por dirigente que faz pressão em treinador, por vocês que fazem pressão em treinador. Eu só lanço o cara na hora certa e sabendo se ele vai dar certo. Por quê? Porque isso aqui custa, cara, é um patrimônio do clube. Você não pode botar um moleque desse numa situação que a gente está. Eles vão começar a entrar quando o time estiver bem. Eles já estão aí com a gente. Tem que ter um estágio, é igual ao treinador que sai de jogador para virar técnico. A maioria não dá certo. Jogador tem que aprender a conviver, já não é amador. Amador é totalmente diferente do profissional. Agora vai ser público, vai ser criticado. Isso gera pressão, então tem que ter calma. Na hora certa eles vão jogar, mas ainda estão passando por um estágio de conhecimento ainda do que é (o futebol profissional).
Uma posição para a qual você precisa de jogadores é a de zagueiro. O que acha do nome do Cléber, do Hamburgo? A diretoria não nega interesse nele. Você o aprovou?
Se eu aprovei ele? Vocês acham que eles vão trazer um jogador sem me perguntar com o tipo de treinador que eu sou (risos)? Eu sei que tem treinador que aceita, mas eu não vou aceitar. É um jogador que eu vi jogar desde a Ponte, e você vê que ele passou por times de torcidas parecidas em pressão. A Ponte também é assim, apesar de não ser tão gigante quanto Corinthians e Flamengo. Então é um jogador que tem personalidade para jogar num time assim, de massa. Também está na Europa. Zagueiro brasileiro que vai para a Europa cresce muito, porque se dá muita importância à defesa lá.
Desde sua chegada, você sempre tratou Sheik como pilar. Agora, cinco meses depois e com a idade dele – faz 38 anos em setembro -, é possível usá-lo como comandante em campo ou se trata de um jogador para jogar menos de 90 minutos?
Não, ele não é liderança de falar com jogador. Ele é liderança de exemplo. É um jogador que, apesar da idade, tem uma condição física muito boa. Quando vai treinar, dá exemplo. Joga forte nas partidas, tem personalidade, que é uma coisa fundamental para se jogar no Flamengo. Isso o Sheik tem. É um jogador que não pipoca e que enfrenta qualquer situação. Principalmente nas ruins ele cresce muito. Então esse jogador é interessante demais para um time com o tamanho do Flamengo. É um atleta que vejo como qualquer outro, claro que você tem tomar cuidado não só com ele, mas com a sequência de jogos de muitos outros. Nós não tivemos lesões até agora, claro que pelo trabalho que estamos fazendo, mas também pelo rodízio. Por exemplo: num jogo importante, fomos jogar com o Fluminense em Brasília, e o Juan estava com uma pequena dorzinha e podia ir. Nós tiramos. Então estamos cuidando dos caras. Com o Sheik é igual. Se a gente que está com um probleminha a mais, a gente tira. Nós escolhemos colocar os caras 100%. Tem treinador que pensa assim: “vem um clássico, e o cara tá meia-boca? Ele vai”. Não, aqui não está indo. Temos que ouvir médicos, fisiologistas e, se sentir que vai estourar o jogador, a gente tira. Por isso o nosso número de contusões é muito baixo.